terça-feira, 29 de março de 2011

Este post foi criado por Luis Fabiano - Diretor do curta.

terça-feira, 29 de março de 2011


CINEMA DE GARAGEM

Ainda bem que bom humor tínhamos de sobra
A estampa do figurino é de... gominhos de tangerina. Luxo!
Passando o texto com os atores
O visual kitsch da casa de Alzira e Orlando
Por aqui eu acompanhava as filmagens
Tony Valentte como "Sérgio Afonso" e Fá Ferreira como "Maria Helena" Final das filmagens, Carlos Tousi, Juh Ferraz, eu e lá atrás, tentando se esconder, Tiago Cardoso

Vocês certamente já ouviram aquela famosa frase do Glauber Rocha, “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Durante muito tempo, ela serviu para romantizar a aventura de se fazer cinema com baixíssimo orçamento e ideal revolucionário. Muito tempo depois, com o surgimento de novas tecnologias e o acesso mais rápido e fácil a elas, o dramaturgo e cineasta Domingos de Oliveira criou um novo termo, “B.O.A.A.”, que se refere aos filmes de “baixo orçamento, mas feitos com alto astral”. Só mesmo o sábio Domingos para ter uma sacada dessas! Vejam bem, filmes que contenham, pelo menos, intenções cinematográficas, não confundir com os vídeos da Sthefany Absoluta e companhia. Onde eu quero chegar? É que eu e meu amigo e videomaker Tiago Cardoso acabamos de fazer um filme no melhor estilo “B.O.A.A”. Ainda não podemos mostrá-lo aqui, porque está em fase de finalização, mas, mesmo assim, quis dividir com vocês o que aprendi com essa ótima experiência. Em breve, colocaremos o nosso rebento na rede “para que conhecidos e desconhecidos se deliciem” ou “para chatear os imbecis”, vai saber, como diz aquela saborosa canção “Por que você faz cinema?”, da Adriana Calcanhotto e do Joaquim Pedro de Andrade. Por enquanto, só podemos divulgar o que aconteceu nos bastidores.

Assim que recebi o e-mail do Tiago, falando de um festival para curtas de até três minutos – com o prazo para inscrição estourando –, abri o meu editor de texto e escrevi o roteiro de um fôlego só. Não foi nenhum sacrifício. Três minutos na tela exigem no máximo duas páginas de roteiro. Já tinha mais ou menos a ideia na cabeça, bastou apenas dar uma ajustada. Também não imaginava que ele fosse gostar do que escrevi, um kitsch movie com pitadas de humor negro, cheio de referências retrô, nada parecido com o seu estilo bem comportado. Mas ele não só curtiu a ideia como também, durante a montagem do filme, até se emocionou. Beijo de Novela então foi surgindo. A história é bem simples, mas depois foi ganhando nuances bem interessantes e divertidas. Alzira é uma jovem do morro do Reco-Reco, que nunca beijou na boca porque seus dentes são cheios de cáries e ela odeia dentista. Como o bicheiro Orlando tinha uma dívida com o pai dela, ele aceitou desposar a moça, mas com a condição de nunca beijá-la. Ultrajada, Alzira tenta realizar o seu grande sonho, ganhar dele um beijo daqueles de novela, afinal ela é fã ardorosa do gênero. Bem, é tudo que eu posso falar, sem estragar o final. Já agradeço aqui publicamente a Juh Ferraz e ao Carlos Tousi que souberam dar vida a esses dois personagens com muita competência e também ao Tony Valente e a Fá Ferreira que fizeram uma participação especial bem divertida.

Feitos os ajustes no roteiro, partimos para a produção. Aqui começa realmente o nosso trabalho, porque um filme “B.O.A.A.” é realizado basicamente sob a filosofia do “faça você mesmo”. Tinha como referência aqueles filmes pré-históricos do Almodóvar como Labirintos de Paixões (1982), então saí para garimpar um figurino bem retrô e colorido, pensei também num cenário que seguisse essa mesma linha, um barraco de favela, mas que fosse bem charmoso, que tivesse personalidade. Não foi difícil encontrar os móveis e objetos, pior mesmo foi carregar parte do cenário na chuva. Tudo pela arte, claro. Nessa hora tem que ter muito bom humor, caso contrário, você joga tudo no lixo e volta pra casa, para se enterrar nas cobertas e assistir a seus DVDs favoritos. Sobre o cenário é importante ressaltar que não dava simplesmente para chegar à casa do Tiago e dizer que pintaríamos a parede da sua garagem (o nosso modesto estúdio) de vermelho. As coisas não funcionam assim, temos que adequar a nossa fantasia à realidade disponível. Aliás, existe um abismo gigantesco entre o que planejamos e o que conseguimos fazer, mas é preciso não desanimar. Tem que colocar um sorriso no rosto e seguir. Mas até que o resultado estético ficou bastante crível. O problema é que o cenário teve que ser montado duas vezes, o que exigiu uma dose extra de paciência. Uma para testes de luz e câmera e outra para a filmagem mesmo. Dois dias de produção e ainda estava achando tudo muito divertido. A descoberta do chroma key (o fundo verde que na edição ganha o cenário que quisermos), por exemplo, foi o máximo! Bem, até minutos antes das filmagens, quando metros e metros de tecido verde despencaram do teto e eu tive que fixá-los novamente, às pressas, fingindo estar tudo sob controle.

Quando o dia da filmagem chegou, as palavras que mais se ouviam no set eram: “Estou exausto!”. Ditas por mim, claro, que fazia o meu début por trás das câmeras. Dez minutos de atraso dos atores e eu já entrava em pânico. No nosso cronograma, as gravações deveriam começar às nove da noite e ir até a uma da manhã, no máximo! Por conta de alguns contratempos (eles sempre existem), chegamos até as três. Não sei se vocês sabem, mas cada cena tem que ser filmada várias vezes, de vários ângulos diferentes, e só na pós-produção é que são montadas em seqüência. Então é como se o mesmo filme fosse feito quatro ou cinco vezes, por isso os atores tem que ter muita concentração, paciência e não deixar a emoção cair um só minuto. Enquanto o Tiago operava a câmera, eu me dividia entre orientá-lo quanto ao enquadramento e a fotografia e a direção dos atores, afinal praticamente não houve ensaio. Entra aqui uma personagem digna de uma comédia do Mauro Rasi, a minha mãe. Se você quer enlouquecer um diretor de cinema, basta despachar a sua mãe para o set. A minha foi assistir às filmagens espontâneamente, mas, por não entender nada do processo, achava que eu exigia demais dos atores e mãe é mãe, né?, elas sempre acham que basta qualquer coisa ser feita pelos filhos que está tudo ótimo. Não é bem assim. De longe, eu ouvia os seus murmúrios e isso muitas vezes me deixava tenso, nervoso.

Já ia até esquecendo, o festival não permite uso de imagens e nem trilha sonora sem autorização, então tivemos que buscar algumas soluções que nem sempre são ideais. Nada de foto do Tarcísio Meira ou do Tony Ramos, por exemplo. Reclamei muito, mas no final deu tudo certo. A pós-produção é muito cansativa também, exige muita dedicação, muita paciência, mérito exclusivo do Tiago. Nessa parte, eu dava apenas alguns palpites. Mas, depois que tudo passa, ficamos com aquela sensação de que poderíamos ter feito melhor, mesmo sabendo de todas as nossas limitações, mas também o quanto foi prazeroso, o quanto aquele convívio foi agradável, o quanto é bom ver algo que nós imaginamos ganhar vida. E a melhor definição para esse estilo de cinema, se é que podemos chamar assim, veio do próprio ator do filme. Lá pelas tantas, o Carlos Tousi me confortou: Não tem problema nenhum, se precisar a gente fica até de manhã, é assim mesmo, só não pode faltar amor. Bonito, né? Enfim, queria muito dividir esse momento bacana com vocês.

2 comentários:

  1. Oi Carlos, você definiu muito bem o seu trabalho dizendo que arte é o ar que vc respira, que te move, isso é muito lindo, porque falta mesmo aos artistas essa entrega, essa paixão, afinal nós sabemos que a vida prática do artista é dura, difícil, mas se não houver aquela chama que nos mova, nada dá certo. Obrigado mais uma vez por ter topado ser o nosso "Orlando" e por nos ajudar na divulgação de Beijo de Novela. Abração!!!

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  2. imagina....eu que agradeço... foi um prazer enorme, e tenho certeza que o seu amor pela arte também é impar, pode sempre contar comigo....um grand eabraço....Orlando, ops, Carlos Tousi. rsrsrs.

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